A Anamatra divulgou hoje (9/7) nota pública na qual repudia a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 89/2003, aprovada pelo plenário do Senado Federal. A PEC visa a impedir a utilização da aposentadoria dos magistrados como medida disciplinar e permitir a perda de cargos dos juízes por mera decisão administrativa dos tribunais.
Na nota, a Associação ressalta que a independência judicial, essencial para assegurar a existência do Estado Democrático de Direito brasileiro, exige que a magistratura esteja protegida pela vitaliciedade, dando ao juiz a necessária segurança para exercer sua função livre das pressões do poder político e dos grupos econômicos.
A atual estrutura judiciária brasileira, com baixa densidade de democracia interna, foi outro ponto de alerta do texto. De acordo com a Anamatra, “não é raro que ocorram punições ou ameaças de punições indevidas aos juízes de primeiro grau, motivadas por divergências com a administração dos tribunais e até mesmo de entendimento na manifestação de suas convicções jurídicas”.
A nota pública também presta o esclarecimento de que pela legislação atual e a própria Constituição Federal, já existe a previsão de perda legal do cargo dos magistrados mediante provocação do Ministério Público, em decorrência de decisão judicial transitada em julgado, no qual há a garantia dos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório, também concedida aos demais cidadãos litigantes.
Exemplo de ameaça
Para o presidente da Anamatra, Luciano Athayde Chaves, um caso recente ilustra as possíveis consequências da aprovação da proposta para o Brasil. O juiz boliviano Luis Alberto Tapia Pachi conseguiu asilo político no Brasil, após sofrer perseguição política por parte do governo do presidente da Bolívia, Evo Morales.
O magistrado, que foi responsável por investigar o caso de um suposto complô para matar Morales, afirma sofrer ameaça de morte e tem ordem de prisão decretada a pedido do Ministério Público do país.
“A Anamatra solidariza-se com o colega boliviano, exemplo inconteste de um sistema judicial, no qual a magistratura não possui suas prerrogativas amparadas por lei. Trata-se de um exemplo claro de afronta à independência judicial da magistratura e do Estado Democrático de Direito”, afirma Athayde, ao alertar para cenário que poderá ser criado no Brasil, caso a PEC 89/2003 prospere.
NOTA PÚBLICA
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho - Anamatra, entidade representativa dos juízes do Trabalho em todo o Brasil, apresenta à sociedade brasileira NOTA PÚBLICA, a propósito da aprovação, pelo Senado Federal, da PEC nº 89, de 2003, que modifica o texto dos arts. 93 e 95 da Constituição Federal para permitir a perda de cargos dos juízes por mera decisão administrativa dos tribunais, nos termos seguintes:
1. A independência judicial, essencial para assegurar a existência do Estado Democrático de Direito brasileiro, exige que a magistratura esteja protegida pela vitaliciedade, dando ao juiz a necessária segurança para exercer sua função livre das pressões do poder político e dos grupos econômicos. O constituinte originário, atento a essas questões, inscreveu a vitaliciedade como cláusula constitucional pétrea, dispondo que a perda de cargo do magistrado depende de decisão judicial transitada em julgado. É princípio que assegura a independência dos juízes no exercício de suas funções e, via de consequência, confere à sociedade a certeza de Judiciário livre de pressões internas e externas.
2. Por outro lado, tendo em vista as características da estrutura judiciária brasileira, que ainda apresenta baixa densidade de democracia interna, não é raro que ocorram punições ou ameaças de punições indevidas aos juízes de primeiro grau, motivadas por divergências com a administração dos tribunais e até mesmo de entendimento na manifestação de suas convicções jurídicas. Atribuir a perda de cargo à mera decisão administrativa dos tribunais é fragilizar a magistratura a ponto de intimidá-la e aumentar o déficit democrático no Poder Judiciário.
3. Cabe esclarecer também que, pela legislação atual e a própria Constituição Federal, já existe a previsão de perda legal do cargo dos magistrados mediante provocação do Ministério Público, em decorrência de decisão judicial transitada em julgado, no qual há a garantia dos princípios constitucionais de ampla defesa e do contraditório, também concedida aos demais cidadãos litigantes. A mudança proposta pela PEC incorreria na possibilidade de uma exoneração administrativa, privando o magistrado de ser julgado por via judicial, violando, portanto, a garantia de vitaliciedade.
4. A aprovação pelo Senado Federal da PEC nº 89, ao trazer para o âmbito dos próprios tribunais a possibilidade da perda de cargo dos juízes por decisão administrativa, sem as garantias amplas do processo judicial, viola cláusula imodificável da Constituição Federal e incorre em vício de inconstitucionalidade e quebra a garantia da independência dos juízes, permitindo a aplicação da sanção máxima aos magistrados pelo vago conceito de violação de decoro.
5. Não é saudável à democracia brasileira a aprovação de emenda constitucional baseada em episódios isolados, ao passo que a verdadeira imagem da Justiça é a de uma imensa maioria de juízes e juízas comprometidos com o trabalho e com a cidadania, e que não podem, a bem da sociedade, ser tolhidos na liberdade decisória que a própria Constituição lhes confere.
6. Confia a ANAMATRA que a Câmara Federal examinará a matéria com a maturidade devida, observando o interesse público e em harmonia com os princípios inscritos na Constituição para preservar a necessária independência do Poder Judiciário.
Brasília, 9 de julho de 2010
Luciano Athayde Chaves
Presidente da ANAMATRA