Mais de 50 mil trabalhadores resgatados no Brasil em atividades análogas à de trabalho escravo entre 1995 e 2018 em 2mil operações de fiscalização. Um negócio criminoso que, em âmbito mundial, abarca o tráfico de pessoas e movimenta US$ 32 bilhões, superando os lucros do tráfico de drogas.
Essas foram algumas das informações transmitidas aos 76 magistrados da Justiça do Trabalho recém-empossados que participaram, entre abril e maio, do 24º Curso Nacional de Formação Inicial prestado pela Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho (Enamat).
A 24ª edição do treinamento foi a primeira a oferecer aos juízes em início de carreira conteúdo específico sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas. A sugestão de inclusão dos temas no curso de formação de juízes foi feita pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e adotada pela Enamat.
O módulo tem a finalidade de apresentar em profundidade aos juízes o modo de atuação das quadrilhas especializadas nessas práticas criminosas, bem como apresentar os instrumentos jurídicos que os magistrados dispõem para analisar essas situações, julgar e penalizar os criminosos.
“Pela primeira vez, a Enamat introduz em seu curso de formação inicial um módulo tratando da questão do trabalho escravo, essa chaga social que há muito tempo vem assolando o mundo de trabalho. Nesses tempos de precarização e de afrouxamento dos freios de proteção ao trabalho é necessário que a magistratura trabalhista esteja atenta para não deixar que a dignidade da pessoa humana continue sendo aviltada”, diz o conselheiro do CNJ, juiz Luciano Frota.
O conselheiro, que preside no CNJ o Fórum Nacional para o Monitoramento e Solução das Demandas Atinentes à Exploração do Trabalho em Condições Análogas à de Escravo e ao Tráfico de Pessoas (Fontet), comenta que a proposta é sensibilizar a magistratura, principalmente os juízes que estão iniciando a carreira. “Conhecer o tema, se informar sobre o modus operandi dos aliciantes do trabalho escravo e dos traficantes de gente é muito importante para que o magistrado, ao se deparar em seu dia a dia forense, saiba o ambiente em que essas quadrilhas atuam e quais consequências nefastas isso traz para a sociedade brasileira.”
Ao longo da apresentação do módulo, que teve a duração de um dia, os juízes tiveram acesso a dados internacionais sobre essas práticas criminosas, bem como a informações específicas sobre essas atividades no Brasil.
O presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juiz Guilherme Feliciano, expôs a realidade brasileira. Citando a classificação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ele falou sobre o trabalho escravo rural, com uma característica de servidão por dívida, e o trabalho escravo urbano, praticado nas grandes capitais e formado por imigrantes latino-americanos.
Feliciano mencionou a prática que tem se tornado comum das oficinas de costuras em São Paulo, formadas por imigrantes latino-americanos que trabalham 16 horas por dia, vendem a peça confeccionada por 70 centavos e vivem no mesmo ambiente em que trabalham, compartilhando um único cômodo com casais, crianças e idosos.
“Se há um fenômeno que retrata a morte da cidadania, esse fenômeno é o trabalho escravo”, afirma. Ele lembra que, muitas vezes, o aliciamento dessas pessoas se dá em função da pobreza e de uma relação de dívida baseada em uma ideia ilusória de oportunidade de trabalho e de geração de renda.
Entre os dados informados aos juízes no curso de formação, foi destacado que o tráfico de pessoas para diversas finalidades, incluindo trabalho escravo, atinge 2,4 milhões de pessoas no mundo e que esse comércio ilegal ocorre dos países pobres para os desenvolvidos e, internamente nos países, das regiões mais carentes para as áreas mais abastadas.
Empossada no início deste ano, Marina Alves Assayag é uma das juízas do trabalho que integrou a turma de 76 magistrados que fez o curso e teve acesso às informações sobre trabalho escravo e tráfico de pessoas. Sua área de atuação é 8ª Região, que abrange Pará e Amazonas.
“Venho de uma região de incidência de trabalho escravo na qual essas são práticas comuns, principalmente no campo em atividades da agropecuária. E, recentemente, infelizmente, com a questão da Venezuela, isso vem se agravando e mais e mais pessoas têm sido vítimas desses impostores. São pessoas sem oportunidades que são submetidas às essas situações”, diz. Para ela, a inclusão do módulo que aborda o trabalho escravo e o tráfico de pessoas no curso de formação de magistrados é mais que oportuna.
A partir dessa preparação, a Enamat espera, conforme informa o coordenador do curso, juiz Giovanni Olsson, que os novos magistrados tenham melhores condições para identificar o problema do trabalho escravo e, em consequência, adotar medidas que garantam a celeridade dos processos sobre esse tema.
“Esse módulo destina-se a informar os novos juízes sobre a realidade do trabalho escravo no Brasil contemporâneo, e suas especiais características e conformações tanto na área rural, em atividades de pecuária, de reflorestamento, de extrativismo etc, quanto nas áreas urbanas, em facções, tecelagens, reciclagem, etc”, diz Olsson. “Muitos dos novos magistrados ainda não têm a real dimensão da gravidade do problema. Além disso, busca sensibilizá-los para a especial atenção a ser dada ao tema, quando detectado em processos judiciais em tramitação nas varas onde vão atuar”, acrescenta.
O módulo sobre trabalho escravo voltará a ser ministrado aos juízes em início de carreira em agosto e setembro, durante a realização do 25º Curso Nacional de Formação Inicial da Enamat.
Autor: Luciana Otoni - Agência CNJ de Notícias