“Danos decorrentes de trabalhos com movimentos repetitivos devem ser pensados de forma holística e integrada com outros setores. De nada adianta termos o afastamento do trabalhador e a sua recuperação, se ele volta para a mesma atividade que possui ‘defeitos’ na sua execução, em que há falhas na organização do trabalho”. O alerta é da vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), juíza Luciana Paula Conforti.
A magistrada do Trabalho participou, nesta terça (31/8), de audiência pública, promovida pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados, para debater o Projeto de Lei (PL 4347/98) e apensados. A proposta, que tem parecer favorável na Comissão, reduz a jornada de trabalhadores sujeitos a esforço repetitivo para o máximo de cinco horas e intervalos de dez minutos a cada 50 trabalhados.
Em sua intervenção, a vice-presidente esclareceu que o tema é mais amplo do que parece ser, envolvendo muito mais do que apenas atividades de digitação, por exemplo, mas também aquelas que exigem intensidade na execução, influenciando aspectos como excesso de peso, postura inadequada, má organização do trabalho, ausência de pausas, entre outros.
Nessa linha, a magistrada chamou à reflexão sobre necessidade de que tema seja discutido de forma mais ampla, na linha de se estabelecer uma política de prevenção dos riscos aos trabalhadores em relação aos trabalhos com movimentos repetitivos. “A matéria não se resume à uma regulamentação legal, mas sim a uma política efetiva de enfrentamento dos danos a que estão expostos esses trabalhadores e trabalhadoras”, disse.
Entre as políticas públicas nesse sentido, Luciana Conforti citou a Norma Regulamentadora (NR) 17, que visa a estabelecer parâmetros que permitam a adaptação das condições de trabalho às características psicofisiológicas dos trabalhadores, de modo a proporcionar um máximo de conforto, segurança e desempenho eficiente.
A vice-presidente também falou da Convenção 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), ratificada pelo Brasil, que trata da temática a segurança e saúde dos trabalhadores e trabalhadoras de todas as áreas de atividade econômica, como norma fundamental. A normativa internacional prevê a aprovação de uma política nacional (lei federal) em matéria de segurança e saúde dos trabalhadores e o meio ambiente de trabalho. O objetivo é prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho, tenham relação com a atividade de trabalho, ou se apresentarem durante o trabalho, reduzindo ao mínimo, na medida que for razoável e possível, as causas dos riscos inerentes ao meio ambiente de trabalho.
“Na Constituição nós temos os dispositivos que tratam da redução dos riscos inerentes ao trabalho, sobre a obrigatoriedade de a sociedade prevenir os riscos ao meio ambiente, incluindo o do trabalho. São diversas as normas que tendem à proteção dos riscos físicos e psicológicos decorrentes do trabalho”, completou.
Reflexos sociais - Luciana Conforti explicou que a regulamentação do tema não diz respeito apenas à proteção dos trabalhadores e trabalhadores, englobando os reflexos sociais que esses danos venham a causar nas famílias, no mercado de trabalho, nas empresas e na sociedade como um todo.
“Danos físicos decorrentes de esforços repetitivos têm causado um elevado número de afastamento de trabalhadores e trabalhadoras de suas atividades, o que leva ao absenteísmo, à queda da produtividade, à alta rotatividade e à própria continuidade da atividade. Trata-se, portanto, também de um problema econômico”, apontou.
A PNS (Pesquisa Nacional de Saúde), realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), mostra que mais de 3 milhões de trabalhadores e trabalhadoras já foram diagnosticados com LER/Dort. Cenário esse que tem agravado pela realidade da mecanização, da automação do trabalho e do teletrabalho, recorda a vice-presidente.
Segundo dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, em 2019, quase 39 mil trabalhadores e trabalhadoras foram afastados de suas atividades por mais de 15 dias por causa de doenças relacionadas a lesões por esforço repetitivo e distúrbios osteomusculares (LER/Dort). O número representa 11,19% de todos os benefícios concedidos pelo Instituto naquele ano. “Estamos falando de uma questão de saúde pública, de Previdência pública”, ressaltou Conforti.
Também participaram da audiência pública representantes do Ministério Público do Trabalho e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
Confira a íntegra da audiência pública, no canal da TV Câmara no Youtube: https://bit.ly/3jyPf83