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26 de agosto de 2014

Confira entrevista com o juiz João Ricardo Costa - pres. da AMB

Com mais de 20 anos de carreira e há seis meses à frente da AMB, João Ricardo é um grande crítico do quadro geral do Judiciário brasileiro.

O juiz João Ricardo Costa, presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, tem a solução para a morosidade do Judiciário brasileiro. Para ele, é preciso modernizar a legislação processual para torná-la "compatível com a demanda do nosso tempo", além de reajustar o foco do Conselho Nacional de Justiça para as questões administrativas da Justiça, e não só disciplinares.

Com mais de 20 anos de carreira e há seis meses à frente da AMB, João Ricardo é um grande crítico do quadro geral do Judiciário brasileiro. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, ele afirma que parte da insatisfação da sociedade com os juízes vem de um "surreal" sistema recursal que "permite 80 recursos". Isso impossibilita que os juízes apresentem resultados satisfatórios perante a crescente demanda da sociedade por seus serviços.

O exemplo que ele cita é matemático. Uma empresa de telecomunicações pode cobrar R$ 2 a mais por mês de dez milhões de pessoas "apertando um botão". "Se 10% dessas pessoas entrarem com uma ação individual, isso gera um milhão de ações. Esse exemplo mostra porque estamos atrasados. O juiz fica dando sentença repetitiva."

João Ricardo também critica os rumos que o CNJ vem tomando, dez anos depois de sua criação, com a Emenda Constitucional 45/2004. O que o CNJ deveria fazer, afirma, é administrar a Justiça e criar políticas em busca de soluções. A questão disciplinar, para o presidente, é secundária, "porque a corrupção não é um problema no Judiciário".

O presidente da AMB tem experiência em associações de classe da magistratura. Natural de Porto Alegre, João Ricardo Costa já foi presidente da Associação de Juízes do Rio Grande do Sul (Ajuris) e coordenador do Fórum Mundial de Juízes. Na AMB, ocupou a Vice-Presidência de Direitos Humanos de 2008 a 2010 e presidiu a Comissão de Direitos Humanos. Hoje, está à frente da maior associação de magistrados do Brasil, com cerca de 14 mil membros no país inteiro.

Leia a entrevista:

ConJur — O senhor está há pouco mais de seis meses no comando da AMB. Quais têm sido as maiores dificuldades?
João Ricardo — Um desafio é dialogar com o governo federal, que parece que governa sem saber que tem Poder Judiciário no Brasil e que esse Poder é importante para distensionar a sociedade. Quando se veem linchamentos, justiceiros e badernas, isso tem a ver com o Judiciário. Se a sociedade não sente que o Estado tem condições de resolver o conflito, ela mesma vai resolver. O governo deveria pensar nisso e dialogar com o Judiciário, para que se possa enfrentar essa demanda.

ConJur — O Conselho Nacional de Justiça está cumprindo seu papel?
João Ricardo — O CNJ está fazendo dez anos. Veio para criar políticas nacionais no Poder Judiciário e dar uma adequação da intervenção do Judiciário diante dos novos direitos que vieram com a Constituição de 1988, além do aspecto disciplinar. Para a magistratura, o papel mais importante é a administração da Justiça, a criação de políticas para que o Judiciário preste um bom serviço. O disciplinar não é tão importante porque a corrupção não é um problema do Judiciário. São 20 mil juízes na ativa e pouquíssimos casos de corrupção.

ConJur  Qual é o problema do Judiciário?
João Ricardo — O problema do judiciário é a morosidade. E nesse sentido temos uma posição crítica ao CNJ porque as políticas não têm sido adequadas para enfrentar a demanda judicial. Os números mostram que pouco se avançou em melhorias na prestação jurisdicional, mesmo após esses dez anos de CNJ. Não estamos conseguindo diminuir as taxas de congestionamento judicial a pontos razoáveis.

ConJur — A AMB tem contribuído para mudar esse cenário?
João Ricardo — Sempre procuramos trabalhar com o CNJ, fazendo propostas, mesmo quando não somos chamados. Inclusive, neste momento entendemos que houve um retrocesso na relação do CNJ com a magistratura, principalmente a de primeiro grau.

ConJur — Em que sentido?
João Ricardo — O CNJ mudou as resoluções que tratam do planejamento estratégico e a valorização do primeiro grau para que não tivesse participação das associações de juízes, que é o único ambiente democratizado que tem no Judiciário. Apesar do retrocesso, continuamos apresentando projetos que para nós são fundamentais. O principal trata da necessidade de se fazer um trabalho científico de monitoramento do litígio no Brasil, permitindo que o CNJ identifique as origens desse litígio para que se possa, antes do processo ingressar em juízo, identificar as causas e tentar evitar que ocorra algum dano social.

ConJur — O que é preciso atualizar no Judiciário?
João Ricardo —
 Uma legislação compatível com a demanda do nosso tempo e um Conselho Nacional de Justiça que perceba isso, que instale esse sistema que traduza para os tribunais o litígio brasileiro. Não temos, hoje, condições de identificar as fontes desse litígio. A tecnologia que produz o litígio não tem contrapartida na tecnologia que soluciona o litígio. Uma companhia telefônica aperta um botão e pelo computador desconta R$ 2 de dez milhões de pessoas. Se 10% dessas pessoas entrarem com uma ação individual, isso gera um milhão de ações. Isso porque a companhia telefônica apertou um botão. Esse exemplo mostra porque estamos atrasados. O juiz fica dando sentença repetitiva. Já apresentamos um projeto no Congresso Nacional sobre o tema, mas, em função da pressão desses agentes que mais usam o Judiciário ele foi arquivado. Agora, está voltando a tramitar.

ConJur — Como é essa proposta?
João Ricardo — É criar um processo coletivo moderno que atenda e resolva completamente os litígios sem que as pessoas tenham que entrar em juízo. É o aso da companhia telefônica. O valor é pequeno individualmente, mas se somarmos os dez milhões que podem entrar com ação, o valor chega a R$ 20 milhões. Isso causa um dano difuso na economia, pois o dinheiro deixa de circular. Pela proposta, nesse caso, você entra com uma ação coletiva e manda devolver o dobro, conforme previsto no Direito do Consumidor. Como a empresa tirou da conta, pode estornar na própria conta, sem processo de execução. Olha os ganhos para a sociedade e os ganhos para o orçamento do Judiciário. (continua) 

Por Tadeu Rover - Consultor Jurídico

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